POVOS INDÍGENAS EM CANELA

ELES QUEREM SER UMA SOLUÇÃO, NÃO UM PROBLEMA

Parafraseando a música conhecida, que diz que todo dia era dia de índio, em muitos lugares do Brasil e da América do Sul toda terra era deles. Atualmente lembrados no dia 19 de abril, os povos indígenas foram perdendo espaço e importância, subjugados na eterna luta pela ocupação dos territórios. Passados séculos, no Rio Grande do Sul a palavra de ordem, para grande parte das tribos aqui remanescentes (os Guarani, os Kaingang, os Charrua e os Xokleng) é “retomada”. Reconquista, reocupação. Segundo o Censo Demográfico de 2022, há no nosso estado 36.096 indígenas, sendo que em Canela vivem 131, das etnias Guarani e Kaingang. Fomos em busca de algumas informações sobre o modus vivendi dessa mais de centena de descendentes dos povos originários – isto é, os que habitavam um local antes da chegada dos europeus e do início da colonização.

NA ALDEIA GUARANI TEKOÁ KURITY

O cacique Marcelino, sua irmã Maria e crianças Guarani

Acessando pela estrada que leva à Barragem dos Bugres, pela ERS 235, próximo à entrada para o Salto e andando cerca de 1km, fomos recebidos pelo cacique Marcelino, cujo nome indígena e branco é Kuaray Nheery Marcelino. Com apenas 28 anos, Marcelino foi escolhido porta-voz da Aldeia Kurity por apresentar qualidades, como o espírito de liderança, mais importantes que a tradicional longevidade (Augustinho, por exemplo, é um Guarani, na aldeia, com 91 anos). Ocupando parte de uma área pertencente à CEEE – o chamado horto florestal Bugres – Canastra -, os Guarani estão ali há cerca de dois anos e tiveram a permanência garantida ao ter sido negada aos proprietários, em maio de 2023, uma ação de reintegração de posse. “Nós encontramos aqui uma terra muito devastada”, diz Marcelino, “estamos arrumando aos poucos, plantando árvores frutíferas, ainda não conseguimos tirar da terra quase nada para nosso sustento”. São Guarani as mulheres e crianças que ficam defronte a alguns estabelecimentos de Canela. Considerando as (por enquanto) dificílimas condições de subsistência na Kurity, são de extrema importância os donativos e alimentos que elas conseguem levar à noite.
Se na aldeia de Marcelino ainda houvesse madeira de variedade, o cacique e seu grupo estariam erguendo habitações à sua maneira ancestral. Na falta dessa matéria-prima, hoje está ocorrendo a construção de algumas casas de tábuas, com mão-de-obra e recursos oriundos de órgãos de proteção ao indígena e trabalho de voluntários sensíveis àquela situação social. Seguindo adiante na mesma estrada que leva à barragem, há outra aldeia Guarani instalada, a Yvyã Porã. Perguntado sobre outras preocupações além da subsistência, Marcelino cita o temor de contraírem, principalmente as crianças, “as doenças de branco”. “Nós precisamos nos cuidar, as nossas crianças estão precisando comer melhor, precisamos de alguma proteção aqui onde estamos. Estamos lutando para provar que nossos antepassados já estavam nessa área, nós não atravessamos oceanos para chegar aqui”, desabafa Marcelino. Admite, no entanto, que a sua aldeia está vivendo em melhores condições aqui do que em Palmares do Sul, de onde vieram.

Casa de barro na aldeia Kurity

NA ALDEIA KAINGANG KÓGUNH MAG

Quem conhece a Floresta Nacional de Canela (Flona), área de preservação garantida por decreto federal desde 1967, associa aquele cenário a um sentimento de paz e contemplação da natureza. Desde 2018 vivem ali, no entanto, pessoas cuja ligação com aquela terra é profunda como raízes. Não estão lá como visitantes, mas, acreditam, como donos de um direito adquirido por uma centenária sucessão hereditária. Assim como os Guarani no acesso aos Bugres, os Kaingang liderados pelo cacique Maurício Ven Táinh Salvador reivindicam a posse definitiva e a demarcação daquela área de floresta onde já ocorreram batalhas entre colonizadores e nativos em que resultaram, massacrados, os Kaingang. Por isso a retomada do espaço, por isso o esclarecido e espiritualmente formado Maurício Salvador empreende esforços para que fique sacramentado o direito da sua aldeia. Sempre em contato com outras lideranças indígenas, Salvador viaja, se preciso, para encaminhar ou acompanhar tramitações, como informou que fará em Brasília nos próximos dias.

Cacique Maurício fala para uma TV, a entrevistadora é a Kaingang Fuá

A trajetória desses Kaingang até a retomada na Flona é processo iniciado em 2005 pelo pai de Maurício, o cacique Zílio Jagtyg Salvador, nas suas primeiras vindas. Em busca de um lugar melhor e sabedor da existência da terra em Canela, Zílio trouxe a família e uns poucos Kaingang e se estabeleceram às margens da ERS 235. Entrando de vez na área, outros Kaingang vieram. Falecido em 2017, Zílio teve seu filho como herdeiro, o jovem que lidera um coletivo de 16 famílias, cerca de 60 indígenas. “Nós queremos ser uma solução, não um problema”, diz Maurício. Defensor da cultura do seu povo (que divulga em escolas e eventos por toda parte) e também da sua integridade, o cacique Salvador de preocupa com o futuro das crianças da aldeia e com o presente dos adultos. Está aglutinando forças para em breve fundar a escola específica para alunos Kaingang (até o Ensino Médio) e acompanha de perto os primeiros passos no futuro profissional de alguns jovens que estão começando a trabalhar, não longe, mas fora da aldeia. Em julho desse ano, os Kaingang promoverão evento para expor a sua culinária. “Estamos aqui para mostrar para todos que o respeito à natureza é o caminho. O clima do mundo está mudando, é a natureza nos avisando”.

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