Assisti ao filme “Homem com H”, uma biografia autorizada do cantor Nei Matogrosso, um símbolo de coragem e ousadia. O excelente filme me fez rir, discretamente, pelo atrevimento de uma história com tanta clareza, sem subterfúgios ou metáforas. Algumas cenas me fizeram chorar, quietinho. Por óbvio, lembrei de histórias que vivi e de muitos que, como eu, viveram os alucinados anos 70, 80, 90, derrubando portas para não serem pisoteados pelo preconceito, que ainda em 2025 provoca suicídios, na mesma Canela que foi e é palco de dolorosas cenas de desprezo humano.
Assim como Nei Matogrosso, achei mais indicado seguir o poema do Vinicius de Moraes que propõe: “pensem nas feridas como rosas cálidas” e, por isso, hoje escrevo sobre aqueles que, com frases e gestos, são capazes de transformar o pior dos dramas e, por isso, são imprescindíveis.
Assistindo ao filme, lembrei que, aos 7 anos, pela primeira vez, ouvi a acusação vinda de um garoto, de que eu era veado e, por essa razão, ele não sentaria ao meu lado. Eu, sem saber o que aquilo significava, senti um medo paralisante por aquela ameaça e só fiz chorar, pensando em nunca mais pisar naquela Escola João Correa. Fui socorrido pela professora Noeli Souza, que me abraçou e disse: “Não se preocupe, eu estou contigo e ele nem sabe o que diz.” Algum tempo depois, dona Noeli definiu que eu desfilaria, na Semana da Pátria, fantasiado de Santos Dumont, o pai da aviação que, anos depois, foi identificado como gay. A frase e o gesto daquela amorosa professora me permitiram voar com coragem e foram minha primeira motivação para o teatro.

Alguns anos mais tarde, um dos meus sobrinhos ficou por um bom tempo observando meu teatral amigo Paulo e segredou, baixinho, para sua mãe: “Ele é gay.” Ela riu e lhe perguntou: “E o que isso significa?” Rodrigo respondeu: “Não sei, mas ele é.” Minha cunhada Zalete respondeu, matando o preconceito na raiz: “Não te preocupes, isso não tem a menor importância.” E aquela criança, serena, brincou e riu com seu novo amigo, com o carinho que lhe é peculiar.
Muitos anos depois, recebi um diagnóstico aterrorizante e, sem saber o que fazer, dividi aquele pesadelo com meu irmão João Paulo, que, chorando, abraçou comigo e falou: “Não te assuste, a gente vai enfrentar juntos.” Essa foi a receita para um complicado e demorado tratamento. Passados 30 anos, todos os dias, esse gesto está presente e orienta meus passos.
Estou preparado para retribuir a riqueza que a vida oferece e, sem a voz incrível do Nei Matogrosso, me dedico a acolher, no consultório ou nos projetos sociais que me envolvo, a todos que me procuram em sofrimento porque, convenhamos, ainda hoje, a existência nem sempre é generosa com quem se atreve a ser o que é. Não perca o filme…