Vivemos num tempo em que o relógio parece ter mais pressa do que nós. Acordamos já atrasados, almoçamos com o celular numa mão e comemos notícias na outra. A vida, tão cheia de compromissos e metas, tornou-se uma maratona onde poucos se lembram de respirar. Neste turbilhão, o real – com todas as suas rugas, silêncios e imperfeições – vai perdendo espaço para o que nos distrai, consola ou simplesmente faz esquecer.
É neste cenário que surgem pequenas válvulas de escape, algumas inusitadas, como as bonecas reborn. Parecem apenas brinquedos, mas, em muitos casos, são o reflexo de um desejo profundo por controle, afeto ou até reconexão com algo que se perdeu. São objetos que simulam a vida, sem as exigências da vida real. Representam, de certo modo, uma tentativa de domesticar a imprevisibilidade da existência, de encontrar sentido no artificial, já que o autêntico parece cada vez mais inalcançável.
A recente CPI das Bets, em curso no Senado brasileiro, lança luz sobre um outro tipo de fuga: a aposta como último recurso de esperança. Milhões de brasileiros, movidos pelo desejo de mudar de vida, entregam-se ao universo das apostas online, muitas vezes sem perceber os riscos envolvidos. A comissão investiga a atuação de várias empresas autorizadas, buscando entender o impacto dessas plataformas no orçamento das famílias e possíveis irregularidades fiscais e financeiras. A promessa de ganhos fáceis esconde, por vezes, armadilhas que aprofundam ainda mais a vulnerabilidade de quem já pouco tem.
E seguimos, repetindo gestos, preenchendo vazios com substitutos e criando rotinas online “perfeitas”, onde o sentir é cada vez mais raro. Mas ainda que tudo pareça rotina e o tempo escorra entre os dedos, há sempre uma fresta onde entra luz. Como canta Renato Russo, “somos tão jovens” – e talvez ainda haja tempo, mesmo que perdido, para recuperar a coragem de viver o que é real. Mesmo que doa. Mesmo que canse. Porque a vida, por mais dura que seja, ainda é a nossa única chance de sentir de verdade.